Por Jonathan Frerichs (*)

As igrejas têm um papel importante a desempenhar nas negociações preliminares de um tratado global, em 2012, para regular o comércio de armas convencionais. Esta foi uam das conclusões de um painel do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), realizado, em Nova York, EUA, no dia 21 de outubro. As principais obrigações de defesa dos direitos humanos devem ser incorporadas ao tratado e as igrejas devem fazer lobby juntas, com base na fé, disse o secretário geral do CMI, Rev. Dr. Olav Fykse Tveit, anfitrião do evento.

"Quer representemos um Estado membro da ONU, uma igreja ou a sociedade civil, estamos todos aqui para conectar as necessidades comuns das pessoas em nossas comunidades com uma agenda para o controle de armas que ameaçam sua vida diária e a paz", disse Tveit.

"A partir da tradição cristã, são os mais fracos entre nós – os marginalizados, os pobres, os que destituídos de poder – que são a voz do que a justiça e misericórdia esperam de nós”, acrescentou Tveit.

O painel sinalizou o início da iniciativa ecumênica liderada pelo CMI para ajudar a garantir a formulação de um forte e eficaz Tratado sobre Comércio de Armas (TCA), em 2012. Representantes de igrejas, órgãos ecumênicos e redes de 27 países se inscreveram para participar do processo. O planejamento começou na Convocatória Ecumênica Internacional pela Paz, em maio deste ano.

"Onde moro, cerca de metade da população tem sido deslocada pela violência armada", contou um pastor colombiano aos participantes do painel. "Há armas em todos os lugares, na província de Choco, nas mãos de guerrilheiros, dos traficantes de drogas, da polícia, do exército e dos cidadãos. Milhares já foram mortos."

O pastor mantém um registro das mortes em sua província e faz pesquisas para determinar quais crimes envolvem armas ilegais. "Os mais afetados são as populações indígenas e afro-descendentes", disse ele.

"Um Tratado sobre Comércio de Armas que não aborde o impacto humano do comércio não-regulamentado não será um tratado responsável", disse Jeff Abramson, da Control Arms, uma aliança da sociedade civil global em campanha por um TCA forte. "Um TCA terá que contabilizar os custos humanos do comércio ilícito de armas convencionais para ser um tratado responsável”.

"Os grupos que se beneficiam da ausência de um TCA incluem os terroristas, traficantes de narcóticos e os criminosos", disse Abramson.

Comunidades livres de armas

"As igrejas são nosso maior aliado na obtenção de armas ilegais fora das comunidades", disse Antonio Bandeira, um dos painelistas e coordenador de projeto no Viva Rio, uma ONG brasileira. "13% dos homicídios do mundo acontecem no Brasil, um país que tem apenas 3% da população mundial. A taxa de homicídios é quase igual a de um genocídio, com cerca de 100 mortas a cada dia", disse ele. "A morte de muitos homens jovens alterou as estatísticas populacionais, pois dois entre cada três vítimas são os afro-brasileiros".

Uma das respostas à violência é uma campanha da sociedade civil (que inclui igrejas) e já coletou meio milhão de armas ilegais, Bandeira observou. "Quando a polícia tentou fazer a mesma coisa por conta própria, só conseguiram coletar 30.000 armas. O nível de confiança era bem mais baixo".

A chacina no Brasil é abastecida, em sua maioria, por armas fabricadas no próprio país. Este é um problema doméstico que não vai ser abordado por um TCA. No entanto, quando o Viva Rio fez um levantamento de 300 mil armas que foram entregues por seus proprietários, 10% eram de fabricação estrangeira. Neste índice estavam as armas mais letais, de maior calibre e com maior poder de fogo do que as armas disponíveis no Brasil.

"O Brasil é, ao mesmo tempo, vítima e perpetrador do comércio ilegal de armas, porque somos o quinto maior exportador mundial de armas de pequeno porte", disse Bandeira. Como exemplos do tipo de venda ilegal de armas que o TCA deve inibir, Bandeira citou uma pesquisa que detectou lojas, na Florida (EUA), que venderam 3.000 rifles excedentes da primeira Guerra do Golfo a traficantes de droga brasileiros. Outras 400 pistolas austríacas foram vendidas "legalmente" para os EUA , Venezuela e Paraguai e depois importadas ilegalmente para o Brasil. Ao mesmo tempo, armas brasileiras vendidas aos militares de países vizinhos têm "vazado" dos arsenais destes países e são trazidos de volta ao país ilegalmente.

"Devemos prestar atenção aos envolvimentos de nossos países no comércio de armas", disse Tveit. "Muitos Estados considerados desenvolvidos também estão envolvidos no comércio de armas".

Embora a grande maioria dos governos seja a favor de um TCA forte, alguns países que são os maiores produtores de armas no mundo preferem um tratado de alcance limitado.

(*) Jonathan Frerichs trabalha para o CMI como coordenador do programa para a construção da paz e desarmamento. Ele é membro da Igreja Evangélica Luterana na América.

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Leia texto completo do discurso de secretário geral do CMI, em Nova York 2011

Informações sobre a Década para Superação da Violência

Programa do CMI sobre controle de armas nucleares