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Foto: Sean Hawkey/WCC, 2018.

Foto: Sean Hawkey/WCC, 2018.

O economista Thomas Kang é membro do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Nesta entrevista para o serviço de comunicação do CMI, ele reflete sobre os impactos da COVID-19 no maior país da América Latina e as interseções entre políticas que causam divisão, destruição do meio ambiente e violência.

Até agora, 111.000 pessoas morreram de COVID-19 no Brasil. Como você equilibra o sentimento de luto com a preocupação com justiça?

Kang: Isso não é fácil. Ainda temos alguma esperança, mas recentemente ouvi a notícia de que uma pessoa de minha comunidade provavelmente não vai se recuperar da COVID-19 depois de semanas na UTI. Minha esposa é médica em um dos principais hospitais do estado do Rio Grande do Sul, onde a situação é muito ruim (para dizer o mínimo). Fico pensando em quantas perdas poderiam ter sido evitadas se nosso presidente e seus apoiadores tivessem levado a pandemia a sério. As pessoas que vivem em condições mais carentes (especialmente em comunidades minoritárias como os povos indígenas) foram particularmente mais afetadas pela pandemia. Costumo assumir uma postura mais equilibrada em termos de política, mas o presidente ultrapassou todos os limites na minha opinião. Infelizmente, envolver as pessoas no diálogo tem sido impossível no clima político atual.

Em comparação com outros países, você acha que os brasileiros estão vivendo uma interseção especial entre a luta contra a pandemia e uma política que causa divisão, destruição do meio ambiente e violência?

Kang: Várias partes do mundo estão enfrentando a pandemia, a crise econômica e a polarização política simultaneamente. Os Estados Unidos seriam uma boa referência, já que nosso atual presidente parece seguir de perto os passos de Trump (por exemplo, ambos minimizaram a pandemia após os primeiros casos e promoveram medicamentos sem eficácia comprovada). No entanto, se somarmos a destruição ecológica e a violência, não consigo pensar em nenhum outro país vivendo em tal interseção. Além disso, o Brasil é muito mais pobre que os EUA, o que nos coloca em situação de vulnerabilidade.

Você acha impossível pedir às pessoas que fiquem em casa para lutar contra a COVID-19 e, ao mesmo tempo, esperar que sobrevivam economicamente?

Kang: É impossível se não houver programas governamentais que permitam às pessoas ficar em casa. Fico satisfeito que o Congresso Nacional tenha pressionado por um programa emergencial de transferência de renda que chegou aos mais vulneráveis, apesar de algumas falhas na implementação. As taxas de pobreza (medidas apenas pela renda) inclusive caíram no Brasil durante a pandemia. Embora o Congresso Nacional tenha sido o principal agente na aprovação do programa (o governo federal relutou em aceitá-lo), isso aparentemente energizou a opinião pública a favor do presidente em áreas onde os partidos de esquerda costumavam ter grande popularidade. Por outro lado, os programas de crédito para pequenas e médias empresas têm sido claramente insuficientes. Como consequência, houve falências massivas e um aumento acentuado do desemprego. A destruição de "bons empregos" que poderiam ter sido salvos provavelmente se tornará um obstáculo para uma rápida recuperação econômica após o fim da pandemia.

Sua igreja foi reaberta? Você acha que há pressão para que as igrejas reabram?

Kang: Não, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) não reabriu seus templos. As comunidades e paróquias têm sofrido com a diminuição dos recursos durante a pandemia. Tem havido alguma pressão para que as nossas igrejas reabram, mas acho que a maioria das comunidades entendeu a situação, já que a presidência da IECLB e os pastores sinodais adotaram uma posição comum em favor de manter as igrejas fechadas. Infelizmente, os conflitos dentro das igrejas parecem ter uma conexão direta com o clima atual da política nacional.

Você tem esperança de uma economia e uma vida mais sustentáveis para as pessoas no Brasil?

Kang: Esperança é o que move os cristãos e as cristãs, mesmo quando a perspectiva parece ruim em termos racionais. A pandemia foi uma grande tragédia, mas tenho esperança de que também possam surgir coisas boas da crise. É verdade que as notícias não trazem otimismo: aparentemente, o governo federal está planejando cancelar o Censo Demográfico para aumentar os gastos militares em 2021. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), organização que realiza estudos importantes para detectar degradação ambiental no país, pode não receber recursos em 2021. Por outro lado, economistas e cientistas sociais de diversas visões políticas têm discutido seriamente a ideia de um programa de renda básica permanente, por exemplo. Dada a perigosa situação fiscal, a implementação de um programa desse tipo enfrentará obstáculos consideráveis, pois exigiria cortes de gastos em outras áreas. Diversos conflitos estão por vir, mas espero que o país acabe fazendo as escolhas certas em favor dos pobres e do meio ambiente.

“Só o silêncio pode ecoar nossa dor” - vozes brasileiras silenciam em solidariedade às vítimas da COVID-19 - notícia do CMI (12 de junho de 2020)

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