O recém-eleito moderador do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) fala sobre a beleza da visão ecumênica e do entusiasmo que ele provoca, do escândalo das divisões entre cristãos e de seu sonho de que as igrejas se deixem ser renovadas a fim de experimentar a unidade da família cristã.

Ao final da 9a Assembléia , em fevereiro, o senhor foi eleito moderador do Comitê Central, que é o mais alto cargo eletivo no CMI. Muitas igrejas membro gostariam se saber mais sobre você. Por favor, fale um pouco sobre sua caminhada pessoal na vida e na igreja.

Nasci em Porto Alegre, em 1944; meus pais eram professores numa escola luterana, muito ativos na vida da igreja. Minhas primeiras experiências ecumênicas se deram no movimento ecumênico estudantil. Quando estudante de teologia fui delegado jovem na Conferência Ecumênica de Missão e Evangelismo, na Cidade do México (1963). Jovem pastor, em plena ditadura militar no Brasil, viajei, de forma semi-clandestina, a Praga, para participar como delegado à Conferência Cristã pela Paz (1968).

Teologicamente, inspirei-me sobretudo em Karl Barth, Dietrich Bonhoeffer e em Lutero. Fiz meu doutorado em Hamburgo, Alemanha (1969-1972). Exerci o pastorado em Paróquia, em Ijuí, Sul do Brasil, até 1974 e depois fui convocado como professor de Teologia Sistemática na Escola Superior de Teologia, de São Leopoldo/RS. Empenhei-me em buscar as convergências entre a teologia da Reforma e a teologia da libertação. Nos anos 70, até 1982, fui membro da Comissão Bilateral Católico-Luterana, no Brasil. De 1995 a 2001 fui Presidente do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI). Em 2002 fui eleito pastor-presidente da IECLB.

Sou casado, tenho quatro filhas e dois netos.

O senhor é o líder de uma das maiores igrejas protestantes na América Latina, um contexto de dimensões sócio-econômicas ecumênicas complexas e dinâmicas. Como o senhor entende a situação atual das igrejas e do movimento ecumênico na região?

De um lado, a América Latina tem uma rica vivência ecumênica. As igrejas protestantes históricas cooperaram entre si no campo da missão desde a Conferência de Missão do Panamá, em 1916, embora seu conceito de missão fosse concebido muitas vezes em antagonismo com a Igreja Católica. De outro lado, os diálogos teológicos com a Igreja Católica, de parte luterana e no Brasil, por exemplo, datam de 1957, ainda antes da convocação do Concílio Vaticano II. Nos anos 70, quando das ditaduras militares no continente, desenvolveu-se uma profunda cooperação ecumênica, no sentido amplo, na área dos direitos humanos, com significativa contribuição de parte do Conselho Mundial de Igrejas.

Hoje, o cenário religioso na América Latina se caracteriza por um impressionantemente crescente pluralismo religioso, em que se destacam o crescimento de igrejas pentecostais (centradas nos dons do Espírito) e neopentecostais (centradas em conceitos como batalha espiritual contra os demônios e promessas de prosperidade aos que crêem), mas também de pessoas que se declaram "sem religião". Muitas das novas igrejas rejeitam e combatem o ecumenismo, em particular quando há participação da Igreja Católica. O desafio maior, portanto, é o de encontrar caminhos de superação dessas divergências e antagonismos.

O sonho por renovação da Igreja

A 9a Assembléia do CMI aconteceu em Porto Alegre, em 2006. Foi a primeira vez na América Latina. Como o senhor vê a experiência e os resultados da Assembléia na região e globalmente?

A Assembléia proporcionou uma ocasião excepcional para uma estreita cooperação ecumênica entre as igrejas-membro do CMI no país e, mesmo, no continente latino-americano. O convite ao CMI para sediar sua assembléia no Brasil partiu do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC). Nele participa também a Igreja Católica, que assim se somou ativamente também nos preparativos e no desenvolvimento da Assembléia de Porto Alegre. (No princípio de agosto, o CONIC realizou em São Paulo um grande seminário de recepção dos resultados da Assembléiado CMI para a realidade do Brasil.) As muitas pessoas que participaram como delegados, colaboradores, voluntários e visitantes na Assembléia voltaram extremamente animadas a suas comunidades de origem, com um compromisso ecumênico revigorado.

Foi uma assembléia que combinou de forma muito significativa o compartilhamento de experiências ecumênicas (através do Mutirão e das Conversações Ecumênicas), a celebração da fé (em oração e estudo bíblico) e os debates e tomadas de decisão na agenda administrativa. Contribuiu, assim, para um jeito renovado de vivenciar o ecumenismo, muito necessário em nosso tempo, em que as estruturas estão a serviço da vivência ecumênica nas igrejas.

Como moderador do Comitê Central e como teólogo e líder de igreja, como o senhor definiria sua visao ecumenica e o propósito do movimento ecumênico?

Motivação permanente do movimento ecumênico é o desejo de alcançar a unidade plena entre as igrejas e, a partir dela, tornarmo-nos instrumentos mais fiéis e eficientes do amor de Deus ao mundo. No amor de Deus, a ecumene estende-se muito além das fronteiras das igrejas, abrangendo a humanidade inteira e toda a criação.

Para as igrejas, o ecumenismo está baseado no dom da unidade que temos em Cristo, pela fé e pelo batismo. Enquanto assim peregrinamos, sobre essa base, já ensaiamos e experimentamos de múltiplas maneiras a unidade. Adoramos a Deus trino, Pai, Filho e Espírito Santo - perfeita unidade e comunhão.

Temos todos, naturalmente, profundos vínculos de fé, espiritualidade e ação com nossas respectivas igrejas. Mas sempre senti nossas divisões como uma flagrante contradição a tudo que cremos, um escândalo fruto do pecado humano. Por isso, tenho um sonho e propugno que nossas igrejas se deixem renovar em tudo aquilo que obstaculiza a vivência da unidade da família cristã, encontrando-se num caminho comum de comunhão, testemunho e serviço. O ecumenismo não pode se contentar em ter uma agenda minimalista, mas anseia por mais e mais comunhão.

A paixão pelo ecumenismo

Na sua opinião, quais são as prioridades do CMI para os próximo sete anos? Quais são as suas esperanças pessoais para este período?

Entendo que estamos na fase de estabelecimento dessas prioridades na vida do Conselho Mundial de Igrejas. A Assembléia de Porto Alegre estabeleceu balisas fundamentais, a partir dos trabalhos de seus vários comitês. Baseado nas decisões da Assembléia, um novo programa está sendo desenvolvido e deverá ser apresentado à próxima reunião do Comitê Central.

Mesmo em tempo de redução de recursos, a multiplicidade dos desafios torna difícil a opção por prioridades, particularmente também porque em diferentes regiões as necessidades não são as mesmas. Mas necessitamos fazer um exercício de concentração de recursos no que é mais essencial e naquilo que especificamente o CMI possa desenvolver em favor das igrejas.

Algumas questões, que constituem praticamente uma agenda permanente na vida do CMI: a busca por novos caminhos de entendimento e cooperação entre as igrejas, num contexto religioso crescentemente plural e com perigosos antagonismos entre os vários atores; empenho incansável em favor da paz; o tema da justiça nas relações internacionais; a unidade, tanto em questões de doutrina quanto éticas; fomentar a efetiva inclusão de todas as pessoas na vida das igrejas; aprofundar a compreensão holística da missão.

Os órgãos ecumênicos estão passando por dificuldades nos níveis global e regional. Qual são os maiores desafios para o movimento ecumênico e o CMI na atualidade?

Paralelamente às tendências globalizantes, temos atualmente também o fenômeno da fragmentação e do individualismo. Há hoje uma maior diversidade religiosa, mesmo no interior da cristandade, do que quando nossos pais vislumbraram a necessidade de um projeto ecumênico. É preocupante haver, inclusive, consideráveis forças que impelem igrejas até agora comprometidas com o ecumenismo, para fora dos organismos ecumênicos tradicionais.

Contudo, essas tendências e a própria diversidade num mundo simultaneamente globalizante e conflituado, nada mais faz do que tornar tanto mais necessário e urgente o ecumenismo. O maior desafio, portanto, consiste um manter viva em nossas igrejas a paixão pelo ecumenismo e encontrar caminhos criativos que renovem nossas próprias igrejas na jornada ecumênica comum.

Esta entrevista será publicada na véspera da reunião do Comitê Central. Qual a sua mensagem para as igrejas-membro no início do seu mandato?

A visão ecumênica é algo belo e apaixonante. Conjuga a legítima diversidade com o empenho pela unidade. Nisso, constitui em si, um vigoroso testemunho para dentro de nosso mundo globalizado e de tantas formas excludente. Há multidões famintas, tanto no sentido material quanto espiritual. A elas somos devedores de um testemunho com credibilidade da "razão da esperança" que há em nós e que provém de Cristo (1 Pe 3.15). Não temos vocação para esmorecer, mas sim para perseverar. A esperança e a perseverança são dons confiados à comunidade cristã. O projeto ecumênico passa por mudanças, mas sua validade é duradoura, pois provém do próprio Deus triúno.

Dados biográficos (em espanhol) e uma fotografia do Reverendo Dr. Walter Altmann estão disponíveis no Web site do CMI:

wcc-coe.org/wcc/press_corner/altmann-bio-s.html