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Foto: Juan Michel/CMI

Foto: Juan Michel/CMI

O povo de Moçambique enfrenta constantes conflitos há séculos, desde os tempos do domínio colonial português e a guerra civil que o seguiu (que só terminou neste século), e agora com o Daesh e, ao mesmo tempo, o inimigo invisível do COVID-19. Não é de se espantar, portanto, que as igrejas do país tenham sempre tido muitíssimo a fazer como pacificadoras locais.

“Antes e depois da independência de Moçambique em 1975, o Conselho Cristão de Moçambique (CCM) contribuiu para a pacificação nacional de uma série de maneiras, muitas das quais não reconhecidas. Isso só foi possível porque o ‘problema’ era conhecido, e, portanto, passível de ser contornado,” afirma a Revda. Dra. Felicidade Naume Chirinda. Chirinda é ministra presbiteriana e presidente do conselho do CCM.

“Hoje, Moçambique é afligido por três guerras: o conflito armado em Cabo Delgado que começou em 2017, o conflito armado nas províncias centrais de Manica e Sofala que começou em 2019, e o coronavírus, que está afetando o mundo inteiro,” afirmou.

Conflitos armados e desastres naturais

Chirinda acrescentou que os conflitos armados de hoje têm diferentes motivações, e notou que partes de Moçambique também enfrentaram desastres naturais em tempos recentes.

Ela citou a carta do Apóstolo Paulo aos Efésios 6:12-15: “Pois a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais.”

“Por isso, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis, (...) tendo os pés calçados com a prontidão do Evangelho da paz.”

A ministra afirmou que as ações das igrejas nos dias de hoje remontam aos versículos de Paulo, que clamam por um profundo entendimento das escrituras, coragem e compromisso.

“Passou-se muito tempo até que nós, como igreja, entendêssemos essa condição,” disse Chirinda.

Seus comentários seguem a declaração emitida pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha em 2 de setembro afirmando que os ataques a cidades e aldeias na província de Cabo Delgado (norte de Moçambique) se intensificaram.

Os ataques obrigaram milhares de pessoas a fugir a pé, de barco ou de carro para a capital provincial, um foco de surto da COVID-19 onde a Cruz Vermelha ajudou a construir o maior centro de tratamento do país.

“É uma noção preocupante para Moçambique e para a África Austral como um todo que, no momento em que escrevemos estas palavras, um crescente exército insurgente com ligações com o Estado Islâmico continue controlando Mocimboa da Praia, uma região na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique,” escreveu o jornal sul-africano Daily Maverick em 30 de agosto.

Segundo a Deutsche Welle, a Resistência Nacional Moçambicana, principal partido da oposição no país, acusou as Forças Armadas do Estado de matar civis em Cabo Delgado, tornando o conflito ainda mais complexo.

Formada em 1976, a Resistência Nacional Moçambicana já foi apoiada pelo apartheid sul-africano contra o partido governista FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), que considerava marxista. Nos últimos anos, a RENAMO tem sido o principal partido político de oposição.

Grupos de paz

Quando os primeiros ataques aconteceram em 2017, as igrejas criaram grupos de paz ecumênicos para prevenir conflitos e para auxiliar e criar espaços de apoio mútuo e contato com líderes locais.

“Esses grupos foram reconhecidos pelo governo e conseguiram evitar alguns ataques até dezembro do ano passado. Esta interação com grupos de paz permitiu que o CCM e seus parceiros apoiassem os afetados pelo Ciclone Kenneth,” a tempestade mais intensa que se conhece na África Austral, em abril de 2019.

“Nosso entendimento do conflito armado em Cabo Delgado mudou este ano devido à forma como os ataques são organizados e aos discursos e artigos escritos por moçambicanos e estrangeiros, entre outros fatores,” disse Chirinda.

“Como igreja, hoje entendemos que o conflito em Cabo Delgado não é apenas interno. Portanto, ele nos conclama a entender as Escrituras e encontrar apoio em Deus.”

Desde que os ataques se tornaram mais frequentes, com “o povo de Deus sendo morto, suas casas e pertences destruídos e queimados,” Chirinda disse que as igrejas e a sociedade civil estão cooperando. Ela apelou ao diálogo, distribuindo bens e proporcionando conforto através da Palavra de Deus.

O Rev. Dinis Matsolo, Bispo da Igreja Metodista da África Austral, Sínodo de Moçambique, afirmou que “a grande questão é quem são estas pessoas que criam terror e destruição em Cabo Delgado – e o que elas querem?

“Até o momento, os ataques dos chamados ‘insurgentes sem rosto’ ceifaram pelo menos 1.059 vidas desde outubro de 2017, destruíram diversas infraestruturas, incluindo muitas casas, e desabrigaram mais de 250.000 pessoas. A situação agravou-se desde então, atingindo cerca de 9 dos 17 distritos daquela província, e agora chega a províncias vizinhas – especialmente Nampula, que se tornou um campo de refugiados.”

Moçambique é um país de poucos recursos, com fronteiras com Malaui, África do Sul, Zimbábue, Zâmbia Eswatini e Tanzânia. Acredita-se que cerca de 50% dos 30 milhões de habitantes do país sejam cristãs, enquanto cerca de 19%, principalmente no norte, são muçulmanos.

“Esta guerra está acima de nossas capacidades terrenas. Ela clama por força na fé, ordem e orações com esperança, mas, acima de tudo, pela intervenção de Deus,” disse Matsolo.

A Igreja Moçambicana sempre esteve envolvida nos processos de paz no país, e contribuiu enormemente para o processo que culminou na assinatura do Acordo de Paz Moçambicano de 1992, celebrado em Roma.

‘Criando espaços para diálogo’

“Em Cabo Delgado, temos trabalhado para criar ‘espaços de diálogo’ através do estabelecimento de grupos ecumênicos pela paz nos distritos afetados.”

“E, para a região central, estamos trabalhando para dialogar com a liderança da junta militar para buscar formas de participar de um diálogo construtivo. Isto mostra que a igreja está, de fato, cumprindo seu papel, sendo parte da solução.”

Matsolo acrescentou que visitará Cabo Delgado e os campos de Nampula em breve para se atualizar com relação aos últimos eventos, e que subsequentemente apresentará um relatório da viagem às igrejas.

Ele afirmou que a igreja incentiva o presidente Filipe Nyusi a continuar seus esforços para dialogar para acabar com o sofrimento do povo.

“Saudamos em particular seu entendimento de que a solução para as crises vai além do militar, quando declarou que ‘a solução para o problema de Cabo Delgado não é apenas militar. Reconhecemos a necessidade de impulsionar o desenvolvimento socioeconômico e promover uma maior harmonia social.’

“Este pronunciamento abre mais portas para o nosso envolvimento nos esforços de construção da paz e apoio às famílias desabrigadas. Certamente precisaremos de muitas orações e do apoio de todo o movimento ecumênico,” disse Matsolo.

Igrejas-Membro do CMI em Moçambique